Indústria Aeronáutica em Portugal - 1932
Na revista Flight de 12 Agosto 1932, sob o tema História da Aviação, foi publicado um artigo de Leslie H. Howard, intitulado "Indústria Aeronáutica em Portugal", que transcrevo abaixo, onde se fala das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, e onde é feita uma referência à alta qualidade do seu trabalho, contrastando com a ideia (na cabeça dos ingleses e não só) de que os portugueses não têm muita inclinação para a mecânica...
«Indústria Aeronáutica em Portugal
Não existe nenhuma organização
privada de construção de aeronaves ou motores aeronáuticos em Portugal. Com
efeito, a aviação está limitada, para todos os efeitos práticos, à Força Aérea
Militar e Naval. A aviação civil é ainda uma aspiração, não havendo mais do que
três ou quatro aviões civis e comerciais no país. Um deles é um D.H.
"Moth" (“Gipsy I” motor 80hp) pertencente ao Aero Club de Portugal. Um
outro é um avião de propriedade privada, um D.H. “Moth" ("Gipsy II", motor 120hp), pertencente a um membro do Aero Club. A terceira máquina
é um Farman 190 (motor Salmon 230hp), propriedade da Companhia Portuguesa de Aviação,
que é o grupo luso-francês com o monopólio do transporte aéreo em Portugal e
suas colónias e possessões. O quarto aparelho é um monoplano B.F.W. M.18c,
equipado com um motor Walter de 125 hp, propriedade de uma sociedade de levantamentos
aéreos, recentemente estabelecida.
Um motor "Jupiter" em teste: Vista do banco de ensaios de torque-reação em Alverca. Os motores Bristol "Jupiter" são construídos em Portugal sob licença.
Portanto, neste momento, não há
perspectivas de construção aeronáutica por empresas privadas. As oficinas da Aeronáutica
Militar, conhecidas como Oficinas Gerais de Material de Aeronáutico, situadas no
Aeródromo de Alverca, que, por sinal, é o Campo Internacional de Aterragem para
todas as aeronaves que visitam Portugal, produz aeronaves e motores aeronáuticos
sob licença.
A fabricação do famoso e omnipresente
motor Bristol "Jupiter", é realizado sob a direcção de Monsieur Charles
le Gac, um engenheiro francês da Société des Moteurs Gnome & Rhone, titulares
da licença da Bristol. M. le Gac esteve em Alverca pouco mais de três anos,
onde promoveu o desenvolvimento das oficinas desde um mero projecto até se tornarem
numa empresa muito eficiente.
Os números da produção não são
elevados, não sendo permitido divulgar quantos motores já foram construídos, modificados
e ainda em construção. A quantidade produzida não é alta, mas os motores não
deixam nada a desejar em termos de acabamento e desempenho. Os trabalhadores
são civis e alguns sargentos-mecânicos da Aeronáutica Militar Portuguesa, como especialistas
e chefias. As oficinas estão muito bem equipadas e adequadas ao volume de
trabalho que são chamadas a executar.
É empregado um sistema cuidadoso
de verificação e ensaios, sob a supervisão de engenheiros-oficiais da
Aeronáutica Militar, em conjunto com um sistema de cálculo de custos bem
elaborado. O trabalho tem tendência a ser espasmódico, porque o orçamento anual
e subsídios complementares à Aeronáutica Militar não são suficientemente grandes
para garantir o volume contínuo de trabalho, apesar de um mínimo ser mantido.
Observadores interessados em Alverca: A figura alta neste grupo é de Monsieur Réné Lapray, o engenheiro da Gnome-Rhone. À sua esquerda está Monsieur Charles le Gac.
O ensaio dos motores, após a
construção, é realizado sob a direcção de Monsieur Réné Lapray, também um engenheiro
da companhia Gnome-Rhone. Réné Lapray desenvolveu um aparelho de teste de
torque-reacção, que é actualmente, um dos mais modernos do seu tipo, tendo
incorporado muitos dispositivos engenhosos de sua própria autoria (se não
invenção) não encontrados em bancos de ensaio normais.
Sabe-se que um motor construído
em Alverca não custa mais do que o motor importado, embora, evidentemente, os "overheads" e custos de estabelecimentos militares não sejam tão elevados, como o seriam
numa estrutura industrial de carácter não-militar.
Alverca também possui uma
eficiente oficina de construção de asas de madeira, e outra de fabricação de
hélices de madeira. As hélices são fornecidas à Aeronáutica Militar e Naval. No
que respeita a aviões, vários tipos são construídas sob licença, sendo o mais
notável o Potez XXV, dos quais um bom número foi construído durante os últimos
dois anos. São também construídos aviões Vickers "Valparaiso", onde são
introduzidas várias modificações, tornando-os mais actualizados.
Substituições e reparações são
também realizadas em Alverca, sendo a qualidade do trabalho muito elevada, especialmente
quando deve ser lembrado que os portugueses não são exactamente uma raça com
inclinação para a mecânica.
A maioria dos motores dos aviões
da Aeronáutica Militar são Bristol "Júpiter", tenham sido totalmente
construídos em Alverca ou construídos em parte, a partir de peças importadas
em bruto e montados nas oficinas. A Aeronáutica Naval não constrói motores ou
aeronaves, mas realiza as suas próprias reparações quando estas não são de uma
grande profundidade.
Construção portuguesa: um Potez XXV, com motor "Jupiter", ambos inteiramente construídos nas oficinas de Alverca.
Não parece haver nenhuma razão para
supor que a construção aeronáutica venha a ser realizada em larga escala em
Portugal, e em qualquer caso, os franceses têm o monopólio, devendo eles aproveitá-lo
em seu benefício, caso seja decidida a construção de uma fábrica aeronáutica no
país.
O volume do tráfego aéreo é muito
pequeno e, como já foi sugerido, a aviação civil e comercial quase não existem -
apenas um avião faz transporte comercial em todo o país. Esta aeronave realiza voos
ocasionais de lazer, mas isso não deve ser um negócio muito lucrativo para os
proprietários, devido à escassez de instalações e a falta de uma “mentalidade aeronáutica”,
não alimenta grandes expectativas de crescimento.
O primeiro e único aeródromo
civil está a mais de 20 milhas de Lisboa, e é mal servido por transporte
ferroviário e/ou rodoviário. Os lentos comboios locais, levam uma hora e cinco
minutos na viagem de Lisboa até ao aeródromo, mas esta viagem pode ser melhorada
se possuir ou contratar um automóvel.
Há alguns anos atrás, existiu um serviço um pouco desconexo e irregular de passageiros e correio entre Lisboa e
Madrid, e também entre Lisboa e Sevilha. Este serviço era gerido por um
consórcio da Junkers, mas a recusa do Governo espanhol para continuar a
subsidiar o serviço, levou a que a secção portuguesa fosse abandonada. Portanto, parece não haver, nenhuma necessidade real duma indústria aeronáutica nacional:
que pode aparecer com o tempo.»
1 Comments:
Boa noite: sera que me pode facultar uma foto de um antigo fotografo que trabalhou nessas oficinas, seu nome era, Manuel das Neves Cortes.
cumprimentos, Mariana
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