quarta-feira, maio 14, 2014

Indústria Aeronáutica em Portugal - 1932

Na revista Flight de 12 Agosto 1932, sob o tema História da Aviação, foi publicado um artigo de Leslie H. Howard, intitulado "Indústria Aeronáutica em Portugal", que transcrevo abaixo, onde se fala das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, e onde é feita uma referência à alta qualidade do seu trabalho, contrastando com a ideia (na cabeça dos ingleses e não só) de que os portugueses não têm muita inclinação para a mecânica...
«Indústria Aeronáutica em Portugal 
Não existe nenhuma organização privada de construção de aeronaves ou motores aeronáuticos em Portugal. Com efeito, a aviação está limitada, para todos os efeitos práticos, à Força Aérea Militar e Naval. A aviação civil é ainda uma aspiração, não havendo mais do que três ou quatro aviões civis e comerciais no país. Um deles é um D.H. "Moth" (“Gipsy I” motor 80hp) pertencente ao Aero Club de Portugal. Um outro é um avião de propriedade privada, um D.H. “Moth" ("Gipsy II", motor 120hp), pertencente a um membro do Aero Club. A terceira máquina é um Farman 190 (motor Salmon 230hp), propriedade da Companhia Portuguesa de Aviação, que é o grupo luso-francês com o monopólio do transporte aéreo em Portugal e suas colónias e possessões. O quarto aparelho é um monoplano B.F.W. M.18c, equipado com um motor Walter de 125 hp, propriedade de uma sociedade de levantamentos aéreos, recentemente estabelecida.

Um motor "Jupiter" em teste: Vista do banco de ensaios de torque-reação em Alverca. Os motores Bristol "Jupiter" são construídos em Portugal sob licença.
Portanto, neste momento, não há perspectivas de construção aeronáutica por empresas privadas. As oficinas da Aeronáutica Militar, conhecidas como Oficinas Gerais de Material de Aeronáutico, situadas no Aeródromo de Alverca, que, por sinal, é o Campo Internacional de Aterragem para todas as aeronaves que visitam Portugal, produz aeronaves e motores aeronáuticos sob licença.
A fabricação do famoso e omnipresente motor Bristol "Jupiter", é realizado sob a direcção de Monsieur Charles le Gac, um engenheiro francês da Société des Moteurs Gnome & Rhone, titulares da licença da Bristol. M. le Gac esteve em Alverca pouco mais de três anos, onde promoveu o desenvolvimento das oficinas desde um mero projecto até se tornarem numa empresa muito eficiente.
Os números da produção não são elevados, não sendo permitido divulgar quantos motores já foram construídos, modificados e ainda em construção. A quantidade produzida não é alta, mas os motores não deixam nada a desejar em termos de acabamento e desempenho. Os trabalhadores são civis e alguns sargentos-mecânicos da Aeronáutica Militar Portuguesa, como especialistas e chefias. As oficinas estão muito bem equipadas e adequadas ao volume de trabalho que são chamadas a executar.
É empregado um sistema cuidadoso de verificação e ensaios, sob a supervisão de engenheiros-oficiais da Aeronáutica Militar, em conjunto com um sistema de cálculo de custos bem elaborado. O trabalho tem tendência a ser espasmódico, porque o orçamento anual e subsídios complementares à Aeronáutica Militar não são suficientemente grandes para garantir o volume contínuo de trabalho, apesar de um mínimo ser mantido.

Observadores interessados em Alverca: A figura alta neste grupo é de Monsieur Réné Lapray, o engenheiro da  Gnome-Rhone. À sua esquerda está Monsieur Charles le Gac.
O ensaio dos motores, após a construção, é realizado sob a direcção de Monsieur Réné Lapray, também um engenheiro da companhia Gnome-Rhone. Réné Lapray desenvolveu um aparelho de teste de torque-reacção, que é actualmente, um dos mais modernos do seu tipo, tendo incorporado muitos dispositivos engenhosos de sua própria autoria (se não invenção) não encontrados em bancos de ensaio normais.
Sabe-se que um motor construído em Alverca não custa mais do que o motor importado, embora, evidentemente, os "overheads" e custos de estabelecimentos militares não sejam tão elevados, como o seriam numa estrutura industrial de carácter não-militar.
Alverca também possui uma eficiente oficina de construção de asas de madeira, e outra de fabricação de hélices de madeira. As hélices são fornecidas à Aeronáutica Militar e Naval. No que respeita a aviões, vários tipos são construídas sob licença, sendo o mais notável o Potez XXV, dos quais um bom número foi construído durante os últimos dois anos. São também construídos aviões Vickers "Valparaiso", onde são introduzidas várias modificações, tornando-os mais actualizados.
Substituições e reparações são também realizadas em Alverca, sendo a qualidade do trabalho muito elevada, especialmente quando deve ser lembrado que os portugueses não são exactamente uma raça com inclinação para a mecânica.
A maioria dos motores dos aviões da Aeronáutica Militar são Bristol "Júpiter", tenham sido totalmente construídos em Alverca ou construídos em parte, a partir de peças importadas em bruto e montados nas oficinas. A Aeronáutica Naval não constrói motores ou aeronaves, mas realiza as suas próprias reparações quando estas não são de uma grande profundidade.
Construção portuguesa: um Potez XXV, com motor "Jupiter", ambos inteiramente construídos nas oficinas de Alverca.
Não parece haver nenhuma razão para supor que a construção aeronáutica venha a ser realizada em larga escala em Portugal, e em qualquer caso, os franceses têm o monopólio, devendo eles aproveitá-lo em seu benefício, caso seja decidida a construção de uma fábrica aeronáutica no país.
O volume do tráfego aéreo é muito pequeno e, como já foi sugerido, a aviação civil e comercial quase não existem - apenas um avião faz transporte comercial em todo o país. Esta aeronave realiza voos ocasionais de lazer, mas isso não deve ser um negócio muito lucrativo para os proprietários, devido à escassez de instalações e a falta de uma “mentalidade aeronáutica”, não alimenta grandes expectativas de crescimento.
O primeiro e único aeródromo civil está a mais de 20 milhas de Lisboa, e é mal servido por transporte ferroviário e/ou rodoviário. Os lentos comboios locais, levam uma hora e cinco minutos na viagem de Lisboa até ao aeródromo, mas esta viagem pode ser melhorada se possuir ou contratar um automóvel.
Há alguns anos atrás, existiu um serviço um pouco desconexo e irregular de passageiros e correio entre Lisboa e Madrid, e também entre Lisboa e Sevilha. Este serviço era gerido por um consórcio da Junkers, mas a recusa do Governo espanhol para continuar a subsidiar o serviço, levou a que a secção portuguesa fosse abandonada. Portanto, parece não haver, nenhuma necessidade real duma indústria aeronáutica nacional: que pode aparecer com o tempo.» 

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Boa noite: sera que me pode facultar uma foto de um antigo fotografo que trabalhou nessas oficinas, seu nome era, Manuel das Neves Cortes.
cumprimentos, Mariana

10:20 da tarde  

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