segunda-feira, novembro 26, 2007

Altímetro de três ponteiros


Desde 1916, os altímetros fazem parte dos instrumentos os aviões, mas foi só nos anos 50 que se verificou a necessidade de introduzir uma primeira melhoria na sua indicação, pois a ambiguidade da sua leitura esteve na origem de vários acidentes e erros de navegação. Outros erros eram causados pela morosidade na colocação manual da pressão barométrica, da mudança do QFE para o QNH, fornecido pelos controladores aéreos, na aproximação à pista, devido ao tipo de mecanismo utilizado. Para além disso, algumas companhias de aviação recomendavam a introdução do QFE, outras o QNH e havia as que deixavam a escolha ao critério do piloto.
Quando os aviões pressurizados entraram ao serviço no início dos anos 50, a sua altitude de cruzeiro subiu para cima dos 2000 pés, ou mesmo 30000 pés. Para manter a máxima velocidade terrestre possível e poupar combustível, a descida devia começar o mais tarde possível e com a introdução de speedbrakes foi possível que as razões de descida pudessem atingir os 1500 pés ou mais por minuto, em flagrante contraste com os 200 pés por minuto praticado anteriormente, em aviões não pressurizados.
O altímetro convencional dos anos 50 tinha três ponteiros. Um ponteiro indicava a altitude em centenas de pés outro em milhares e um terceiro em dezenas de milhares de pés. Como os dois primeiros ponteiros rodavam rapidamente durante a descida, estes ocultavam temporariamente o terceiro ponteiro. Na última etapa da descida os pilotos de linha bastante atarefados com os procedimentos da aproximação e aterragem, tomando conhecimento do relatório atmosférico e das instruções da torre de controlo, podiam facilmente ler erroneamente o altímetro e descer abaixo da altitude para a qual tinham obtido autorização. Isso aconteceu num fim de tarde de Abril de 1958, com um Viscount com uma tripulação de cinco elementos e sem passageiros, que estava a voar para Prestwick, para iniciar um voo charter no dia seguinte, tendo sido possível ver a pista ainda a tempo de acelerar ao máximo, e aterrar de qualquer maneira, causando alguns estragos na estrutura e pneus cortados.
Durante a tarde do dia de natal do mesmo ano de 1959, um Britannia 312 com doze passageiros a bordo quando autorizados a continuar a sua descida para o aeroporto de Hurn, através das nuvens, a base das quais era extremamente baixa, o avião embateu no terreno matando o comandante e oito pessoas. O co-piloto sobrevivente disse aos investigadores que ele não conseguia compreender como tinha acontecido e os investigadores acabaram acusando os pilotos de “falta ou erro na leitura da altitude antes de iniciar a descida final”. Eles contudo reconheceram que “era possível em certas circunstancias ler mal os altímetros”, mas afirmaram que “era expectável que pilotos fossem treinados para não cometer erros desta natureza”. A Associação de Pilotos Ingleses expressou indignação sobre estas conclusões e declarou que o acidente era induzida por defeito de design e que alguma responsabilidade deveria ser atribuída aqueles que desenharam o altímetro de três ponteiros, aqueles que o aprovaram e às companhias de aviação que continuaram a instalá-lo mesmo após ter sido provada a sua ambiguidade”
Como resultado directo de tais acidentes o Air Registration Board regulamentou que todos os Britannia, Comets and Viscounts deveriam ser equipados com o altímetro Kelvin Hughes. Este manteve os três ponteiros mas introduziu no mostrador uma bandeira às ricas que ficava progressivamente mais visível assim que o avião passava através do nível 15.0 (15000 pés). As companhias aéreas foram instruídas para completar a modificação em todos os aviões a operar acima dos 20000 pés até ao fim de Setembro de 1959.
Em Fevereiro de 1964 um Cometa IV estava a fazer uma aproximação nocturna à pista de Nairobi, cuja elevação era de 5500 pés. O co-piloto estava aos comandos e o comandante estava fazendo as funções normais do co-piloto, leituras de aproximação e checks de descida. O QNH era 1020.5, valor que o comandante introduziu na sub-escala do altímetro. O QFE era 839, um número consideravelmente baixo devido à elevação do aeroporto. Isto requeria que o co-piloto perdesse algum tempo rodando o pequeno botão da sub-escala do altímetro. Quando ele atingiu 938 ele obteve uma apreciação visual de 839 milibars. Um milibar representa 30 pés em altitude. O altímetro do co-piloto tinha sido alterado para ler cerca de 3000 pés mais alto. Ambos os pilotos deviam ter verificado que a diferença entre os seus altímetros equivalia à elevação do aeroporto acima do nível do mar, mas não o fizeram e a dez milhas da aterragem o horizonte do Sistema de Aterragem por Instrumentos (ILS) mostrava que o avião estava demasiado baixo. O co-piloto olhou em frente e viu que a pista e as luzes de aproximação estavam completamente alinhadas. Enquanto tentava obter a máxima potencia dos motores, o Comet atingiu o chão, e foi com muita sorte que a aterragem apenas danificou o trem de aterragem e pouco mais.
Por volta de 1974, os altímetros de três ponteiros foram substituídos por um de indicação digital como consequência de numerosos erros de leitura e acidentes com eles relacionados, sendo uma das inovações as luzes avisadoras aos 1000 pés. O rádio altímetro começou também a ser instalado e avisos sonoros foram também introduzidos e sinais visuais apareciam quando a altitude seleccionada pelo piloto era ultrapassada.
Contudo erros humanos continuaram a por em perigo os aviões e seus ocupantes.
Numa manhã de Setembro desse ano, um Boeing 747 da BOAC estava a preparar-se para aterrar em Nairobi, tendo a base das nuvens foi reportada estar a 200 pés. A torre de controlo posicionou o avião na sua descida de modo que, a uma distância segura da pista, o ILS pudesse ser recebido e consequentemente a barra do mesmo, para uma aterragem na pista 06. Na comunicação entre a torre e o avião a autorização para descer para os 7500 pés foi entendida como 5000 pés, que o co-piloto marcou no selector de altitude. Durante a descida para 5000 pés o alarme do rádio altímetro soou quando o avião estava a 2500 pés acima do chão e como não havia a bandeira de falha no indicador ILS o comandante correctamente considerou que o ILS estaria operacional. O aviso de altitude disparado pelo rádio altímetro apareceu aos 270 pés e de repente o avião saiu das nuvens a uma altitude extremamente baixa e perigosa, ainda a descer, a cerca de seis milhas da cabeça da pista. Uma aceleração rápida e forte foi conseguida no último momento e o avião aterrou com alguma segurança logo a seguir. O comandante visitou a torre de controlo para conferir a fita ATC da conversação havida, tendo aceitado que tinha recebido autorização para descer para 7500 pés, embora o “seven” fosse pouco audível e fraco e o controlador aceitou que ele devia ter reagido à leitura incorrecta do co-piloto e feita a correcção.
Nessa altura os pilotos eram pressionados para reportar quaisquer ocorrências, não havendo penalizações, de modo a que todos os pilotos pudessem aprender com os casos reportados, tendo o comandante reportado naturalmente o seu caso. Ele não foi afastado mas ambos os pilotos foram olhados como culpados e vários procedimentos disciplinares foram tomados, o que indignou o comandante que acabou por se demitir dado a sua licença ter expirado, após 19000 horas de voo, quase inteiramente exercidas como comandante.
Talvez uma das maiores exigências que se coloca à concentração dos pilotos seja após terem voado toda a noite e sejam requisitados de novo para fazer uma aproximação por instrumentos com visibilidade fraca e o nível das nuvens baixo.
Relembro o slogan no nosso boletim de segurança. “Vigilância eterna é o preço da segurança”. Isto é muito verdade. Lembro também um cartoon oportuno dum engenheiro do VC 10.B. Inghman, que colocou a questão com uma franqueza brilhante, conforme reproduzido acima. (Resumo do artigo Descending into Danger de Archie Jackson na revista Wingspan nº 132).

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