Construção de hélices nas OGMA - 1930
O engenheiro mecânico francês Leon G. Wilfart, contratado em 1916, para proceder à montagem dos aviões Farman-F40 e Caudron G-3, no Parque de Material Aeronáutico, em Vila Nova da Rainha, o qual transitaria a partir de Agosto de 1918, para Alverca do Ribatejo, escreveu um interessante artigo sobre a construção de hélices nas OGMA, publicado no Noticias Ilustrado de 29-11-1930. Nessa altura já o PMA e depois as OGMA tinham construído 50 aviões Caudron G-3 (1922-1924) e iniciado a construção de 55 motores Gnome-Rhone Jupiter VII 420 cv (1930).
O engenheiro Wilfart junto ao 1º banco de ensaios de motores que montou, único no país.
O engenheiro Wilfart junto ao 1º banco de ensaios de motores que montou, único no país.
Transcrevo integralmente o referido artigo.
«A HÉLICE AÉREA
COMO SE FAZ UM A HÉLICE DE AVIÃO
A descoberta da hélice aérea não é recente como realmente poderia julgar-se e, sem voltar ao século XV, época em que Leonardo da Vinci, o genial artista florentino, deixa entrever, num estudo notável para o tempo, a aplicação da hélice nos aparelhos volantes, o ano de 1784 marca a aparição dum pequeno helicóptero constituindo o primeiro aparelho aéreo mais pesado que o ar que conseguiu elevar-se pelos seus próprios meios.
No fim do século XIX, vê-se aplicar a hélice como propulsor nas aeronaves mais ligeiras e mais pesadas que o ar, dirigíveis por piloto, as quaes deram realmente os primeiros resultados práticos obtidos nos domínios da navegação aérea.
A partir desta época, a ideia de propulsão por meios de hélices fica intimamente ligada a toda a concepção de aparelho volante e os trabalhos de Renard, Drzewiecki, Eiffel, Dorand e Rateau, para não citar só os principais, permitiram levar a hélice a um grau de perfeição que a torna comparável aos melhores transformadores de movimento.
Definiremos sumariamente a hélice, dizendo que é um órgão susceptível de transformar um movimento de rotação num movimento de transladação e, se, examinarmos a maneira como ela é construída, poderemos constatar que é formada de uma parte central chamada cubo, que vem fixar-se no veio motor, e de um certo número de pás, ligadas a este cubo e cujo número (geralmente duas, às vezes quatro) é função da velocidade de rotação em regímen normal e das condições de adaptação do propulsor ao aparelho.
A hélice diz-se «tractora» ou «propulsora» conforme se encontra colocada adiante ou atraz (em relação ao sentido de marcha da aeronave) do motor ao qual está aplicada e, no caso de aviões, conforme estiver situada adiante ou atraz das superfícies principaes de sustentação (azas ou planos).
As primeiras hélices aéreas eram formadas por uma armação em madeira ou metálica coberta de um tecido, mas as velocidades e as potências em jogo, obrigaram rapidamente os constructores a adoptar hélices formadas de um bloco de madeira que são ainda actualmente as mais empregadas.
Estas hélices são fabricadas em mogno, nogueira, faia inglesa, ulmo ou freixo e são sempre protegidas por um induto, verniz celulósico ou à base de gomas naturais ou sintéticas, baquelite, xarão, etc., possuindo as qualidades requeridas de aderência e de resistência aos agentes químicos (água do mar, gazolina, óleo), podendo ser parcialmente enteladas e, igualmente, receber uma blindagem ou protecção metálica contra os choques ocasionados pelas hervas, areia ou pedritas arrastadas na corrente de ar da hélice antes de voo e depois da aterragem, pela chuva, granizo e, no caso particular dos hidro-aviões, pelas projecções de água.
Todavia, os progressos recentes da metalurgia permitiram a construção de hélices metálicas dando excelentes resultados, as quais devem vir pouco a pouco substituindo as hélices de madeira, em razão da sua maior duração e da propriedade que possuem de não se deformarem sob a influência das intempéries. Os metaes empregados actualmente na construção das hélices são os seguintes: aços especiais de alta resistência, ligas ligeiras de alumínio (densidade 2,8) e o magnésio (densidade 1,8) e as suas diferentes ligas. A adopção do metal permitiu encontrar a solução prática de diversos problemas dizendo respeito à adaptação óptima do propulsor aos diferentes regimens de vôo do avião e de construir para este fim hélices de deformações temporárias, baseadas scientificamente, comandadas pelo piloto ou de funcionamento automático e cujo estudo excederia o quadro deste artigo.- Podemos dizer simplesmente de passagem que os ensaios efectuados sobre este assunto teem dado resultados interessantes.
As Oficinas Gerais de Material Aeronáutico de Alverca fabricam, já há anos, hélices em madeira destinadas ao equipamento dos aviões e hidro-aviões pertencentes às unidades militares e navaes da Aeronáutica e possuem todas as instalações necessárias para a sua construção, a qual pode comparar-se à das melhores casas estrangeiras trabalhando nesta especialidade. Estas hélices são fabricadas numa das madeiras seguintes: mogno de Cuba ou de Honduras, nogueira da Europa ou faia inglesa e, no intuito de lhes aumentar a resistência, por uma disposição racional das fibras da madeira, assim como para facilitar a construção e evitar, na medida do possível, os desperdícios da matéria prima, são as hélices tiradas de um bloco constituído por um certo número de pranchas de pequena espessura (15 a 25 mm) coladas umas sobre as outras com uma cola de base de «caseina».
Passemos agora às diferentes fases da construção. – Na posse do desenho representando a hélice, procede-se à elaboração do traçado em tamanho natural que permite a execução das bitolas, que devem servir ao recorte das pranchas formando a hélice, ao fabrico dos reprodutores (no caso de construção em série) e à verificação das diferentes secções das pás no decurso do trabalho e depois do acabamento. Este trabalho preliminar é feito só uma vez, qualquer que seja o número de hélices do mesmo tipo a construir e acabado ele, as operações necessárias à fabricação da hélice propriamente dita sucedem-se na seguinte ordem:
1º-Preparação do bloco: as pranchas brutas são cerceadas conforme a bitola de recorte, aplainadas à máquina e passadas com uma plaina de dentes finos para facilitar a colagem, depois são coladas umas sobre as outras com cola de «caseína» e apertadas enérgicamente num estaleiro especial durante 12 horas pelo menos. – O bloco assim constituído é, em seguida, retirado do estaleiro, posto em descanso durante 48 horas e desbastado depois na serra de fita, deixando-se secar durante 20 dias, pelo menos, antes da furação e acabamento.
2º-Furação: O furo central e os furos de passagem dos parafusos de fixação do cubo metálico são feitos com a maior precisão numa máquina especial.
3º-Acabamento: a hélice toma pouco mais ou menos as suas dimensões e forma definitivas, numa máquina munida dum reprodutor ou molde, e cujo porta-ferramenta guarnecido de cutelos, girando a 6.000 voltas por minuto corta a madeira em excesso existente no bloco. – Em seguida a hélice é acabada à mão, sendo a verificação do trabalho feito com as bitolas, e polida com um raspador e lixa branca. Durante estas últimas operações, procede-se a diferentes verificações de equilibragem.
4º-Protecção: como acima já foi dito, a hélice pode ser entelada, blindada ou mesmo receber estes dois dispositivos de protecção: algumas hélices de pequenas dimensões não comportam nem entelagem nem blindagem, não recebendo senão o induto especial aplicado em todos os casos.
A entelagem consiste na aplicação de uma tira de tela colada, abrangendo a maior parte da superfície das pás. A blindagem é constituída por um revestimento metálico rebitado ou aparafusado no bordo das pás (bordo de ataque), este revestimento é ordinariamente executado em chapa de duralumínio ou de latão nos aparelhos terrestres e em chapa de latão ou de cobre nos hidro-aviões.
5º- Equilibragem final: depois da aplicação do induto, a hélice é colocada numa balança especial de maneira a verificar se existem diferenças de peso de uma para a outra pá; esta verificação é efectuada com o maior rigor e qualquer diferença é corrigida pela aplicação de camadas suplementares de induto na pá mais leve. O fim desta equilibragem é de evitar vibrações durante o funcionamento da hélice. Torna-se indispensável que todas estas operações sejam executadas meticulosamente e que o material empregado corresponda rigorosamente às condições impostas para a sua aplicação. Uma fiscalização severa baseada em grande parte nos ensaios de resistência, assegura a observação destas prescripções no decurso do trabalho.
L.G.WILFART
Engenheiro»
(Noticias Ilustrado de 29-11-1930)
Representação das OGMA na Exposição de Sevilha em 1931
Algumas das hélices em exposição no Museu do Ar em Alverca.
A descoberta da hélice aérea não é recente como realmente poderia julgar-se e, sem voltar ao século XV, época em que Leonardo da Vinci, o genial artista florentino, deixa entrever, num estudo notável para o tempo, a aplicação da hélice nos aparelhos volantes, o ano de 1784 marca a aparição dum pequeno helicóptero constituindo o primeiro aparelho aéreo mais pesado que o ar que conseguiu elevar-se pelos seus próprios meios.
No fim do século XIX, vê-se aplicar a hélice como propulsor nas aeronaves mais ligeiras e mais pesadas que o ar, dirigíveis por piloto, as quaes deram realmente os primeiros resultados práticos obtidos nos domínios da navegação aérea.
A partir desta época, a ideia de propulsão por meios de hélices fica intimamente ligada a toda a concepção de aparelho volante e os trabalhos de Renard, Drzewiecki, Eiffel, Dorand e Rateau, para não citar só os principais, permitiram levar a hélice a um grau de perfeição que a torna comparável aos melhores transformadores de movimento.
Definiremos sumariamente a hélice, dizendo que é um órgão susceptível de transformar um movimento de rotação num movimento de transladação e, se, examinarmos a maneira como ela é construída, poderemos constatar que é formada de uma parte central chamada cubo, que vem fixar-se no veio motor, e de um certo número de pás, ligadas a este cubo e cujo número (geralmente duas, às vezes quatro) é função da velocidade de rotação em regímen normal e das condições de adaptação do propulsor ao aparelho.
A hélice diz-se «tractora» ou «propulsora» conforme se encontra colocada adiante ou atraz (em relação ao sentido de marcha da aeronave) do motor ao qual está aplicada e, no caso de aviões, conforme estiver situada adiante ou atraz das superfícies principaes de sustentação (azas ou planos).
As primeiras hélices aéreas eram formadas por uma armação em madeira ou metálica coberta de um tecido, mas as velocidades e as potências em jogo, obrigaram rapidamente os constructores a adoptar hélices formadas de um bloco de madeira que são ainda actualmente as mais empregadas.
Estas hélices são fabricadas em mogno, nogueira, faia inglesa, ulmo ou freixo e são sempre protegidas por um induto, verniz celulósico ou à base de gomas naturais ou sintéticas, baquelite, xarão, etc., possuindo as qualidades requeridas de aderência e de resistência aos agentes químicos (água do mar, gazolina, óleo), podendo ser parcialmente enteladas e, igualmente, receber uma blindagem ou protecção metálica contra os choques ocasionados pelas hervas, areia ou pedritas arrastadas na corrente de ar da hélice antes de voo e depois da aterragem, pela chuva, granizo e, no caso particular dos hidro-aviões, pelas projecções de água.
Todavia, os progressos recentes da metalurgia permitiram a construção de hélices metálicas dando excelentes resultados, as quais devem vir pouco a pouco substituindo as hélices de madeira, em razão da sua maior duração e da propriedade que possuem de não se deformarem sob a influência das intempéries. Os metaes empregados actualmente na construção das hélices são os seguintes: aços especiais de alta resistência, ligas ligeiras de alumínio (densidade 2,8) e o magnésio (densidade 1,8) e as suas diferentes ligas. A adopção do metal permitiu encontrar a solução prática de diversos problemas dizendo respeito à adaptação óptima do propulsor aos diferentes regimens de vôo do avião e de construir para este fim hélices de deformações temporárias, baseadas scientificamente, comandadas pelo piloto ou de funcionamento automático e cujo estudo excederia o quadro deste artigo.- Podemos dizer simplesmente de passagem que os ensaios efectuados sobre este assunto teem dado resultados interessantes.
As Oficinas Gerais de Material Aeronáutico de Alverca fabricam, já há anos, hélices em madeira destinadas ao equipamento dos aviões e hidro-aviões pertencentes às unidades militares e navaes da Aeronáutica e possuem todas as instalações necessárias para a sua construção, a qual pode comparar-se à das melhores casas estrangeiras trabalhando nesta especialidade. Estas hélices são fabricadas numa das madeiras seguintes: mogno de Cuba ou de Honduras, nogueira da Europa ou faia inglesa e, no intuito de lhes aumentar a resistência, por uma disposição racional das fibras da madeira, assim como para facilitar a construção e evitar, na medida do possível, os desperdícios da matéria prima, são as hélices tiradas de um bloco constituído por um certo número de pranchas de pequena espessura (15 a 25 mm) coladas umas sobre as outras com uma cola de base de «caseina».
Passemos agora às diferentes fases da construção. – Na posse do desenho representando a hélice, procede-se à elaboração do traçado em tamanho natural que permite a execução das bitolas, que devem servir ao recorte das pranchas formando a hélice, ao fabrico dos reprodutores (no caso de construção em série) e à verificação das diferentes secções das pás no decurso do trabalho e depois do acabamento. Este trabalho preliminar é feito só uma vez, qualquer que seja o número de hélices do mesmo tipo a construir e acabado ele, as operações necessárias à fabricação da hélice propriamente dita sucedem-se na seguinte ordem:
1º-Preparação do bloco: as pranchas brutas são cerceadas conforme a bitola de recorte, aplainadas à máquina e passadas com uma plaina de dentes finos para facilitar a colagem, depois são coladas umas sobre as outras com cola de «caseína» e apertadas enérgicamente num estaleiro especial durante 12 horas pelo menos. – O bloco assim constituído é, em seguida, retirado do estaleiro, posto em descanso durante 48 horas e desbastado depois na serra de fita, deixando-se secar durante 20 dias, pelo menos, antes da furação e acabamento.
2º-Furação: O furo central e os furos de passagem dos parafusos de fixação do cubo metálico são feitos com a maior precisão numa máquina especial.
3º-Acabamento: a hélice toma pouco mais ou menos as suas dimensões e forma definitivas, numa máquina munida dum reprodutor ou molde, e cujo porta-ferramenta guarnecido de cutelos, girando a 6.000 voltas por minuto corta a madeira em excesso existente no bloco. – Em seguida a hélice é acabada à mão, sendo a verificação do trabalho feito com as bitolas, e polida com um raspador e lixa branca. Durante estas últimas operações, procede-se a diferentes verificações de equilibragem.
4º-Protecção: como acima já foi dito, a hélice pode ser entelada, blindada ou mesmo receber estes dois dispositivos de protecção: algumas hélices de pequenas dimensões não comportam nem entelagem nem blindagem, não recebendo senão o induto especial aplicado em todos os casos.
A entelagem consiste na aplicação de uma tira de tela colada, abrangendo a maior parte da superfície das pás. A blindagem é constituída por um revestimento metálico rebitado ou aparafusado no bordo das pás (bordo de ataque), este revestimento é ordinariamente executado em chapa de duralumínio ou de latão nos aparelhos terrestres e em chapa de latão ou de cobre nos hidro-aviões.
5º- Equilibragem final: depois da aplicação do induto, a hélice é colocada numa balança especial de maneira a verificar se existem diferenças de peso de uma para a outra pá; esta verificação é efectuada com o maior rigor e qualquer diferença é corrigida pela aplicação de camadas suplementares de induto na pá mais leve. O fim desta equilibragem é de evitar vibrações durante o funcionamento da hélice. Torna-se indispensável que todas estas operações sejam executadas meticulosamente e que o material empregado corresponda rigorosamente às condições impostas para a sua aplicação. Uma fiscalização severa baseada em grande parte nos ensaios de resistência, assegura a observação destas prescripções no decurso do trabalho.
L.G.WILFART
Engenheiro»
(Noticias Ilustrado de 29-11-1930)
Representação das OGMA na Exposição de Sevilha em 1931
Algumas das hélices em exposição no Museu do Ar em Alverca.
Etiquetas: OGMA
1 Comments:
Boa tarde,
poderia dar-me seu contato de mail para lhe perguntar acerca de arquivo da OGMA?(não consigo ver seu mail atraves do blog)
muito obrigada
Leonor
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