domingo, novembro 11, 2012

Campo Internacional de Alverca - 1928

Na revista Magazine Bertand nº 20, de 1928, é feito um relato de uma deslocação desde Lisboa até à pista internacional de Alverca, com algumas fotos interessantes do Parque de Material Aeronautico de Alverca, que merece certamente a sua transcrição neste blogue.
 
Como se fazem as viagens aéreas em Portugal
(Fotos de Mari-Novais) Impressões de Bluff

Quando me disseram que devia ir ao Campo Internacional de Alverca esperar amigos vindos da vizinha Espanha em avião «Junkers», nesses esplêndidos «Junkers» que transformaram a proeza de voar numa futilidade trivial, perguntei quanto tempo levava o avião de Madrid a Lisboa e quando solicitamente me informaram que gastava só três horas, nunca me passou pela ideia as aventuras que se iam dar comigo, simples bípede o mais terrestre possível só por cometer a heroicidade de ir esperar os destemidos nautas. Supunha eu que os amigos queridos das Espanhas viriam aterrar num destes aprazíveis arredores à vista do pacato eléctrico ou dum modesto taxi de bandeirinha vermelha. Confesso que a minha rudimentar corografia não me fazia suspeitar da mágica distância que se traduzia por esta palavra: Alverca.

Um hangar de aeroplano e outro de dirigível
Eis, portanto, a causa da minha primeira surpreza quando me juraram que para esperar o avião que chegaria às 14 horas e meia, teria que marchar num ronceiro comboio às nove e pico. Respinguei, protestei que este longo prazo era monstruoso, mas a única coisa que consegui foi perder o combóio e ter que me encafuar num automóvel, esperançado em que ia gosar um pequeno passeio de alguns minutos.
A estrada estava boa - dizia o condutor daquele seis cilindros e portanto a passeata seria fácil e leve.
Realmente a estrada estava boa... muito boa mesmo, para lá de um sítio que nunca mais me esquecerá e onde, entre nuvens de poeira que me afogavam, li em letreiro de parede que era a Portela de Sacavém. Começou então um caminhio de delícia, à orla da Tejo risonho sob o sol triunfante da manhã. Mas pobre de mim, já eu lava comigo o terrível handicap de um torcicolo no pescoço e várias equimoses da cabeça à linha da cintura, por ter querido ir a Alverca de automóvel.

A «mess» dos oficiais
Para encurtar razões, chegado à Pista Internacional de Alverca, verificava que para ir de Lisboa ao Campo de Aviação eu gastara quási tanto tempo como os amigos queridos de Madrid àquilo que imprópriamente, abusivamente, chamavam Lisboa. A minha cara devia ser de causar lástima, mas alguém se acercou e me desafiou para o almoço na única taverna que se lobriga em muitos quilómetros à roda da célebre Pista Internacional. Esse alguém que me desafiava era um excelente rapaz, prestante e afável, que representa naquele descampado a companhia dos «Junkers». Govêrno se chama o moço e a avaliar pelo que comeu durante a refeição, deve ser um «govêrno de força». Na intimidade do tasquinhar, o belo Govêrno a certa altura, passeando o olhar habituado pelo mosquedo que recobria as paredes, foi dizendo: - Pois, meu amigo, aqui teem almoçado quási tôdas as pessoas gradas que arribam a Portugal nos «Junkers».

Aparelhos em reparação
Vista do Campo Internacional de Alverca, feita da carlinga dum avião.
Corei de vergonha. Quando voltamos à pista, o enorme pássaro barnco vogava no azul, riscando o céu, para logo vir poisar delicadamente, em airosa curva, no centro do prado crestado, onde ficou a rebrilhar ao sol. Apressadamente, abreviando os cumprimentos, encafuei os amigos no automóvel e mandei largar «a nove» para Lisboa. E estes estrangeiros, ao menos, não almoçaram sob as moscas assassinas e nativistas que esperam, emboscadas, o estrangeiro que se apeie em Alverca.
(fim de transcrição)

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